Apoptose: o mecanismo de autodestruição celular

A apoptose, como você já deve saber, é um processo de morte celular, quando a célula ativa um programa interno controlado. É uma “autodestruição celular”, um “suicídio celular”, que ocorre de forma programada e a célula participa ativamente. Esse processo requer energia (ATP) e síntese de proteínas para a sua execução. É considerada uma “morte limpa”, pois não há derramamento de conteúdo nos tecidos adjacentes. É um processo extremamente importante para a manutenção da homeostase.

Pelo exposto acima, já é possível notar que é o oposto do processo de necrose, uma outra forma de morte celular, onde a célula é destruída, de forma passiva, sem gasto energético, e ocorre associado à patologias.

Continuando a falar sobre a apoptose, vamos falar sobre alguns motivos para a ocorrência do processo. Temos várias situações em que a apoptose se dá como um processo fisiológico:

  • No desenvolvimento embrionário: no desenvolvimento embrionário, a apoptose é de suma importância, pois há uma intensa proliferação tecidual e reorganização, e a apoptose está intimamente envolvida. Por exemplo, na formação dos digitais (dedos), inicialmente há membranas interdigitais que unem os dedos. Essas membranas devem ser retiradas, e a forma de retirá-las é pelo processo de apoptose. Vemos, portanto, um processo fisiológico e importante para o correto desenvolvimento. Caso não sejam removidas por apoptose, dá-se o nome de sindactilia – uma anormalidade embriológica que resulta na união visível entre dois ou mais dedos.
Figura 1: Sindactilia resultante da não remoção das membranas interdigitais.
  • Remoção de tecidos lábeis como o epitélio (pele) e tecido hematopoiético. Esses tecidos estão em constante renovação. Assim, à medida que células jovens vão sendo formadas, as células mais velhas são removidas, pelo mecanismo de apoptose, mantendo a homeostase, uma vez que impede que haja hipertrofia.
  • Uma outra situação fisiológica, na qual ocorre apoptose, está ligada aos órgãos reprodutivos da mulher. Sabe-se que, quando a mulher atinge uma certa idade, os ovários entram em falência funcional, deixando de liberar óvulos e tendo uma queda hormonal, e conduzindo assim ao período de menopausa (quando a mulher passa 1 ano sem menstruar). Assim, ao entrar na menopausa, alguns tecidos sofrem inicialmente atrofia pela queda hormonal, como o endométrio e o tecido mamário. Como a queda hormonal se mantém após a atrofia, as células entram em apoptose.
  • Pode ocorrer também após uma resposta imunológica à alguma infecção. Quando temos uma infecção, há um estímulo para aumentar a produção de leucócitos, a fim de combater determinado agente causador da infecção. Porém, após a eliminação do patógeno, esse grande número de leucócitos deve reduzir. E, então, essas células entram em apoptose, e há o retorno à homeostasia, ao equilíbrio.

Enfim, diversas são as situações em que a apoptose ocorre fisiologicamente. Mas nem sempre é um processo fisiológico. Ela pode ocorrer também em quadros patológicos, principalmente quando ocorre desregulamente, excessivamente.

  • Em doenças neurodegenerativas, a apoptose ocorre de forma desequilibrada, como no Alzheimer e Parkinson. Assim, a morte de grande número de células que não possuem alto teor de proliferação, como muitas células do sistema nervoso, provoca danos irreparáveis.
  • Também pode ocorrer em casos de infecção viral, em que, devido à infecção, há um estímulo para a apoptose de células do sistema imune.

E como falamos que a apoptose é muito importante fisiologicamente, o que pode ocorrer caso ela não seja realizada? O que acontece é o aumento da sobrevida da célula erroneamente, fazendo com que células defeituosas e células mortas mantenham-se no tecido. E isso pode acarretar no desenvolvimento de doenças, como neoplasias, principalmente quando as células que não sofreram apoptose são células defeituosas, que possivelmente passaram pelo processo de mutação, e, não sendo eliminadas, podem proliferar e gerar várias células defeituosas.

Falamos bastante das funções da apoptose quando ela ocorre, mas falta entender como ela acontece. Quais são os mecanismos envolvidos nesse processo fundamental.

Existem duas vias principais: a via intrínseca e a via extrínseca, que vão convergir para o mesmo local, na chamada via de execução. A diferença é a forma de ativação do processo.

Via Intrínseca

A via intrínseca, ou via mitocondrial, consiste numa via onde há lesão celular: por lesão do DNA (a lesão do DNA pode ser causada por radiação, toxinas, radicais livres), ou por uma proteína mal dobrada, ou ainda por redução dos fatores de crescimento. Fato que é que, todos esses eventos podem induzir aumento de proteínas da família Bcl-2 pró – apoptóticas.

Em condições normais, as proteínas da família Bcl-2 encontram-se em um estado de equilíbrio, com a presença de proteínas pró – apoptóticas e proteínas anti – apoptóticas. Em certas situações, como nos exemplos acima, em relação à lesão celular, pode haver um desequilíbrio dessas proteínas, tendendo ao aumento da proteínas pró – apoptóticas. Essas proteínas pró – apoptóticas da família Bcl-2, fazem com que o citocromo C (presente na membrana interna da mitocôndria) seja liberado dessa membrana.

O citocromo C ativa e une-se ao Apaf-1 (Fator ativador de protease apoptótica), e esse complexo Citocromo C + Apaf-1 ligam-se ao CARD (Domínio de Recrutamento de Caspases), e esses 3 formam o apoptossomo.

O apoptossomo, então, ativa as caspases iniciadoras ou ativadoras de morte celular, sendo que, dessas caspases, a principal é a caspase 9. Mas existem outras caspases iniciadoras, como a 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 12 e 14. Inicia-se assim a cascata da apoptose.

As caspases iniciadoras ativam as caspases executoras, 3, 6 e 7.

As caspases executoras ativam a endonuclease, que é uma enzima que promove a fragmentação do DNA. Promovem também a degradação do citoesqueleto celular.

Com isso, o material dessa célula está sendo degradado, e ela começa a formar bolhas citoplasmáticas, que são possíveis de observar em microscopia óptica e, principalmente, em microscopia eletrônica. Após as bolhas formam se os corpos apoptóticos, compostos por fragmentos nucleares e celulares.

Os fagócitos, principalmente macrófagos, fagocitam esses corpos apoptóticos, e assim se encerra o processo.

Ou seja, essa célula se preparou para a morte, e morreu de forma que não afeta os tecidos próximos.

Via extrínseca

Como dito anteriormente, as diferentes vias de apoptose convergem para o mesmo ‘’local”, mas a forma de ativação é diferente.

Na via extrínseca, ou via receptor de morte, o estímulo parte de receptores de morte como o Fas (onde o FasL – Fas ligante, se liga como o nome diz), e também o receptor TNFR-1 (receptor no qual o TNF-alfa se liga e ativa a via extrínseca da apoptose), ou ainda pela atuação de moléculas citotóxicas, as perforinas e granzimas.

Como o nome sugere, via extrínseca, a ativação se dá por indução externa, onde uma célula atua induzindo a morte de outra célula.

Após esse estágio inicial de indução do processo por um receptor de superfície, ocorre ativação das caspases iniciadoras, sendo a mais importante na via extrínseca a caspase 8. A caspase 8 (caspase iniciadora), por sua vez, ativa as caspases executoras (3, 6 e 7), que ativam as endonucleases, que fragmentarão o DNA.

A célula forma as bolhas citoplasmáticas, que serão liberadas como corpos apoptóticos e que, posteriormente, serão fagocitados. Ou seja, vemos que o processo ocorre da mesma forma que fora visto na via intrínseca.

Via das perforinas e granzimas

Essa via é mais utilizada por linfócitos T citotóxicos (CTL) e também pelas Natural Killer (NK), onde, essas células, para matar células infectadas, por exemplo, elas secretam as perforinas, que formam poros na membrana celular. Após a formação dos poros, há uma via de entrada nessas células, e, então, os CTL ou NK liberam granzimas, que entram na célula, através dos poros formados pelas perforinas, e, então, ativa via de caspases, e, ao fim, ocorre a apoptose dessa célula.

Assim, percebemos que existem diferentes formas de induzir a apoptose, e todas elas resultam na apoptose, a morte celular programada, em todas aquelas características que conversamos no início.

Sabendo da importância do processo, devemos conhecê-los bem, para entendermos tanto o que é fisiológico, mas entendermos também quando alterações e patologias surgirem por um desequilíbrio do processo.

Autor original; Joyce Fernandes 

Fonte; blog.jaleko.com.br

Comentários